A possível história do seu vestido de noiva
Uma das lembranças mais doces da minha infância são as
tardes que passei na Rua São Caetano em São Paulo, conhecida como rua das
noivas. Isso foi mais ou menos em 1990, quando a confecção de vestidos de festa
ainda não havia sido invadida pelos vestidos prontos coreanos, chineses,
espanhóis e etc... Todos os vestidos de noiva eram encomendados sob medida,
desenhados como o grande projeto de vida que deveriam ser, costurados em
camadas e bordados a mão com todo cuidado e carinho.
Para qualquer menina de 5 ou 6 anos, era como viver em um
conto de fadas. Tecidos, lantejoulas, manequins, noivas, arranjos de cabelo.
Aos sábados, a loja fervia de futuras esposas provando cada uma das etapas. Tudo
isso, eu presenciava eufórica e encantada em uma loja de esquina da São Caetano
chamada Alvorada Modas, que pertencia ao meu avô.
Meu vestido - quando a tradição não sobrevive à modernidade |
Depois, eu cresci, a loja do meu avô fechou em 2007, casei com um
vestido pronto comprado na Avenida Rebouças - uma grande ironia dos novos
tempos, principalmente, porque a origem dessa rua encantada, que pode ter feito
parte da sua vida, faz parte da minha origem também.
Essa história poderia perfeitamente começar com ERA UMA
VEZ...
Antakya ou Antioquia - às vezes turca, outras síria |
Assim, a família Bittar arrumou as malas e veio para o
Brasil um ano depois em uma viagem que durou 60 dias no porão do navio. Pai,
mãe e 6 filhos recomeçaram a vida como mascates em Santos, vendendo
fósforo, outras miudezas e consertando sapatos. “A
gente andava pela rua: "Ô, turquinho, vem cá." Chegava lá: "O
que é?" "Dá um cadarço, dá um carretel de linhas 50, 40." Saía
de manhã, voltava em casa à noite. Meu pai mesma coisa. Às vezes, chegava hora
de almoço e nem voltávamos pra casa. Entrávamos num bar que era já conhecido e
a gente pedia um pão com mortadela. Pronto! Almoço! “ .
O tempo passou e as coisas foram melhorando, a família abriu
uma pequena loja de tecido em Santos e meu bisavô foi se aventurar por conta
própria. Voltou para a sua cidade natal e voltou casado – desses casamentos
arranjados mesmo a moda antiga, nada de paixão, nada de namoro. “ A minha tia já falecida, conversa vai conversa
vem, diz: "Ó, Sedosse, você vai levar uma companhia junto com você pro
Brasil." "O que é isso? Eu não vim para isso." "Vem
cá." Entramos lá na casa vizinha e ela disse: "Olha, essa daqui vai
ser a sua mulher." "Mas eu não vim para casar!" "Mas você
vai casar." Sorte! Destino!”. Minha bisavó Nazira tinha 14
anos e ele por volta dos 24. Depois de 72 anos juntos, ela faleceu primeiro aos
86 anos, achávamos que ele iria morrer também ao enterrar o amor da sua vida.
Família Bittar |
Calçados Bittar |
Foi assim, que seguindo a fama do povo árabe para os
negócios, Theodor juntou a fome com a vontade de comer e abriu a primeira loja
de vestidos de noiva, que daria origem a uma rua inteira e faria parte do sonho de tantas mulheres.
Theodor frequentou a rua até a década de 90, era conhecido
por todos, mas sua história somente foi
reconstruída graças a um projeto do Museu da Pessoa – o Memórias do Comércio de São Paulo, que buscou recuperar a origem dos principais centros comerciais – e mesmo para a família (que contava com os 6 filhos, mais de 25 netos e quase uma centena de bisnetos) foi uma grande surpresa saber de sua trajetória.
reconstruída graças a um projeto do Museu da Pessoa – o Memórias do Comércio de São Paulo, que buscou recuperar a origem dos principais centros comerciais – e mesmo para a família (que contava com os 6 filhos, mais de 25 netos e quase uma centena de bisnetos) foi uma grande surpresa saber de sua trajetória.
Existe um mundo que se cruza e se encontra. Talvez a estimativa esteja certa - entre duas pessoas quaisquer no mundo existam somente 4 elos de ligação. Uns escrevemos, contribuímos,
mudamos, transformamos, ainda que involuntariamente, as páginas da vida dos
outros sucessiva e reciprocamente.
Se você quiser mais detalhes dessa biografia e outras tantas
histórias de vida, visite o site: http://www.memoriasdocomerciosp.museudapessoa.net/index.php/pessoa/historia/4059#.Vg_VlC5Viko
Arquitetura da Rua São Caetano ainda guarda muito do seu passado - Todos os direitos reservados
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